Eu já tive oportunidade de ver muitas investigações e análises de acidentes, dos mais complexos e graves acidentes aos mais simples.
Em geral, as investigações e análises falham nos mesmos tópicos. Para começar, a etapa de investigação não é realizada com muita dedicação e as evidências coletadas não são suficientes para contar a história do que aconteceu, de fato. Normalmente, as evidências contam a história que os envolvidos acham que aconteceu, ou seja, temos uma tendência de procurar evidências daquilo que achamos que aconteceu. E deixamos outras evidências importantes para trás porque não coadunam com a nossa versão preferida.
Etapa mais importante: coletar evidências.
Antes de partir para a investigação do que aconteceu e procurar evidências, limpe sua mente de qualquer pré-julgamento. Não imagine versões. Comporte-se como se você tivesse acabado de ser contratado e estivesse vendo o local pela primeira vez.
Uma boa forma de abordar a investigação do acidente dessa forma é ter um processo ou guia de investigação e seguir o método muito disciplinadamente. Nesse guia de investigação você coloca as evidências que deve procurar e como deve organizar.
O que deve fazer parte do conjunto de evidências?
- Entrevistas formais com testemunhas, vítimas e seus líderes imediatos;
- Fotos de todos os ângulos possíveis e não apenas as fotos que você julgar necessário;
- Vídeo de simulação do que foi relatado no calor do momento, logo após o evento acontecido;
- Ferramentas envolvidas no acidente;
- Características de projeto, construção e uso dos equipamentos;
- Procedimentos e Instruções de trabalho das atividades relacionadas direta e indiretamente com o acidente;
- Registros de treinamentos e aptidão dos empregados envolvidos;
- Registro de entrada na catraca no início do turno e no refeitório;
- Registros de produção e de execução da atividade envolvida no acidente;
- Registros da lógica e algoritmo dos PLCs (painel de operação de máquina).
Enfim, se você parar alguns minutos para pensar nesse conjunto de evidências vai perceber que pode listar muito mais coisas.
Entender as evidências para explicar o acidente.
Todas essas evidências precisam ser coletadas nos 2 primeiros dias após o evento. Com tudo isso nas mãos, leia, veja e entenda detalhadamente cada uma delas.
Junte-se com o restante da comissão de investigação em uma sala, coloque tudo sobre a mesa e explique cada uma das evidências coletadas. Só então, parta para a descrição, em ordem cronológica separada por minutos de tudo o que aconteceu. E já estamos no segundo dia após o evento que originou a investigação.
Dúvidas devem ser resolvidas rapidamente.
Nesse momento, muitas dúvidas surgirão e elas devem ser esclarecidas rapidamente. Deixar para o dia seguinte ou para depois do final de semana comprometerá a qualidade do processo. Quando não houver dúvidas do que aconteceu e de como aconteceu, dá-se início à análise com a árvore de causas. Você pode usar 5 PQ ou espinha de peixe, mas eu prefiro a árvore de causas.
Contenha a ansiedade na identificação das causas.
Em qualquer um dos métodos de análise citados, o maior erro está na ansiedade ou pressa de terminar e chegar naquela causa que já se imagina que seja a correta. Isso faz com que pulemos etapas. Um exemplo:
Descrição sucinta do acidente: uma pessoa caminhava na calçada, tropeçou e caiu no chão.
Análise equivocada:

Uma análise mais adequada seria assim:

Essa segunda análise mais adequada e que, obviamente não chegou a fim, apontam causas relacionadas à alguns tópicos importantes:
1. Manutenção da calçada: o desnível foi reportado? Se foi reportado, qual a razão de não ter sido resolvido?
2. Andando rápido: por que saiu atrasado para pegar o fretado? O que foi que o atrasou?
3. Numa queda, temos o instinto de colocar a mão na frente para nos proteger. Por que ele estava com as mãos ocupadas com uma pasta e um livro?
Causas Sistêmicas & Gestão: calcanhar de Aquiles dos líderes.
Enfim, são diversas perguntas que podem estar relacionadas à gestão e aspectos organizacionais e de liderança que não aparecem na primeira análise. Se um evento tão banal pode englobar tanta coisa importante, imagine um acidente em que temos fatores relacionados à permissão de trabalho, bloqueio de energia perigosa e uso de ferramentas, tudo ao mesmo tempo.
Capacitação prática em técnicas de análise de causas.
Para alcançar um primor na análise de causas é preciso, antes de tudo, que a equipe responsável seja treinada em técnicas de análise de desvios e com muito exercício prático.
Cultura imatura, líderes imaturos, análise deficiente.
Outro aspecto importante que leva à análises de acidentes ruins é o envolvimento da gestão e da liderança nas causas. Quando a análise é bem feita, as causas identificadas são sistêmicas e relacionadas à gestão, ou seja, acaba-se por apontar para deficiências na gestão dos líderes. E em organizações com cultura de segurança imatura, sabemos que existe uma tendência de autopreservação da liderança. Portanto, é difícil esperar uma análise de acidente de qualidade vinda de uma equipe imatura em cultura de segurança.
É razoável que, ao mesmo tempo em que se desenvolvem nos líderes as competências para realizarem boas investigações e análises, também se preocupe em desenvolver competências associadas à disciplina operacional, liderança pelo exemplo e conceito de dono.