
O uso da abordagem comportamental ou diálogo comportamental ou observação comportamental em segurança do trabalho tem sido amplamente adotada com o objetivo de promover ambientes de trabalho mais seguros e reduzir a ocorrência de acidentes. No entanto, essa abordagem enfrenta dois desafios significativos que podem ter o efeito exatamente oposto, ou seja, perda de credibilidade da ferramenta e fracasso no atingimento dos objetivos.
Entre os principais desafios da Abordagem Comportamental em segurança, dois são os mais recorrentes.
Primeiro, é comum que na sua implementação seja dado um foco excessivo na quantidade de abordagens em vez da qualidade daquelas que foram realizadas. É comum estabelecer metas de diálogos comportamentais para líderes em níveis muito altos, isto é, cada líder tem que realizar duas ou três abordagens por semana.
Segundo, normalmente, não se entende ou percebe que a grande contribuição das abordagens comportamentais está na análise crítica e sistêmica das situações observadas com o direcionamento de identificação de causas ou contribuintes que estão alheios ao indivíduos e mais relacionados com a organização e ao sistema de gestão. Em muitas das vezes, isto não acontece e acaba-se por cair na culpabilização das pessoas.
Minha sugestão para implementação da abordagem comportamental em segurança é a priorização da qualidade das intervenções e observações comportamentais em detrimento da quantidade dessas ações. Muitas empresas e gestores se concentram em atingir um número específico de observações ou interações, acreditando que um volume maior de abordagens resultará automaticamente em melhorias na segurança. No entanto, essa mentalidade pode levar a abordagens superficiais e menos eficazes. Colocar como meta para um líder a realização de 2 abordagens por mês acompanhadas de um especialista da área de segurança e atrelando à essa atividade a realização de uma análise crítica e sistêmica é o ideal. Eu entendo que é desafiador, mas é assim que se obtém os melhores resultados da ferramenta, tanto no aspecto dos desvios observados quanto na educação do líder.
Intervenções superficiais e frequentes podem não abordar as causas subjacentes dos comportamentos e podem até ser percebidas como intrusivas ou burocráticas pelos colaboradores. A qualidade das abordagens, que inclui a profundidade das análises, a relevância dos feedbacks fornecidos e o engajamento genuíno com os trabalhadores, é crucial para gerar mudanças significativas e duradouras na cultura de segurança. Enfatizar a qualidade permite que os líderes identifiquem melhor os fatores contextuais e organizacionais que influenciam os comportamentos e desenvolvam intervenções mais eficazes.
Superar o desafio da análise sistêmica das situações observadas contribui enormemente para evitar a culpabilização dos indivíduos. Muitas vezes, os programas de segurança comportamental podem cair na armadilha de atribuir a responsabilidade exclusivamente aos trabalhadores por seus comportamentos, sem considerar os fatores sistêmicos e organizacionais.
A culpabilização individual ignora a complexidade dos sistemas de trabalho e a interação de múltiplos fatores que influenciam a segurança. Uma análise sistêmica auxulia no entendimento de que comportamentos são sintomas de problemas mais profundos no sistema de trabalho, como deficiências nos processos, falta de treinamento adequado, pressões de produtividade ou falhas na comunicação, por exemplo. Essa abordagem sistêmica promove uma cultura de segurança mais justa e eficaz, focando na identificação e correção das causas raiz dos problemas em vez de penalizar os indivíduos.
Para evitar a culpabilização, é fundamental que as observações comportamentais sejam integradas em uma análise mais ampla dos processos e do ambiente de trabalho.
Ferramentas como a análise de causa raiz e a investigação de incidentes podem ser usadas para entender melhor como e por que os comportamentos inseguros ocorrem. Além disso, envolver os trabalhadores na identificação de soluções pode aumentar o engajamento e a adesão às práticas de segurança.
Abordar os desafios da abordagem comportamental em segurança requer um equilíbrio entre quantidade e qualidade das intervenções e uma perspectiva sistêmica das situações observadas. Focar na qualidade das abordagens e adotar uma análise sistêmica pode não apenas melhorar a eficácia dos programas de segurança, mas também promover uma cultura organizacional que valoriza a segurança de maneira holística e integrada.
Comentarios