Há uma história sobre um copo cheio que já inspirou inúmeros escritores e autores de grandes obras que diz o seguinte: é impossível encher um copo que já está cheio e só é possível transbordá-lo depois que ele está todo preenchido.
Imagine que esse copo seja cada indivíduo dentro de uma organização e que a água que você deseja colocar em cada um seja o conhecimento sobre gestão, cultura e liderança em segurança. Se o copo que representa cada pessoa estiver cheio de certezas relacionadas à conceitos equivocados como “aqui temos acidente zero”, “aqui a segurança é inegociável” e “aqui a vida é um valor”, você não conseguirá ir muito longe no processo de desenvolvimento dos líderes e da cultura de segurança.
Existe uma gigantesca vaidade corporativa em algumas organizações que as impede de olharem para dentro e perceberem que não são tudo aquilo que imaginam que são em termos de segurança. Como disse em outra postagem, se as causas dos acidentes nas investigações forem coisas como “procedimento inadequado”, “falta de treinamento”, “falta de percepção de risco” e “desatenção”, a cultura de segurança ainda tem um longo caminho antes de sair da reatividade. Pode ser que a cultura esteja apenas muito bem polida, mas sem um conteúdo que a sustente. E acredite: tem muito lambari nessa lagoa se achando um pirarucu.
Gilbert Keith Chesterton foi um escritor e pensador britânico do século 19 que escreveu contos que deram origem a série “Padre Brown” da TV Cultura. Gilbert dizia o seguinte sobre o orgulho: “Quando uma pessoa não tem nenhum motivo pessoal para ter orgulho de algo, é uma virtude. Quando ela realmente tem o mérito, ter orgulho é um pecado. Só podemos ter um orgulho saudável, quase que virtuoso, por coisas que não tivemos mérito nenhum; o contrário, quando temos orgulho de algo que merecemos, esse orgulho se transforma em vaidade, o pai e a mãe de todos os pecados”.
Margaret Thatcher disse a mesma coisa de uma forma mais incisiva: “Estar no poder é como ser uma dama. Se tiver que lembrar às pessoas que você é, você não é”. Ou seja, se você precisa ficar falando e lembrando os líderes e a organização que segurança está em primeiro lugar, é porque segurança não está em primeiro lugar.
Aliás, segurança não deveria estar em primeiro lugar. Ser tão importante quanto todo o resto, já seria suficiente.
Voltando ao copo de água, se ele estiver cheio de água suja, uma única gota limpa não fará a diferença no conteúdo, mas ela pode transbordar o copo. E isso pode não ser bom porque o que você vai ver é água suja sobre a mesa. Quem gosta de ver a sujeira do seu próprio copo?
Se a liderança e a organização ainda não entenderam e agem plenamente de acordo com o significado de disciplina operacional, senso de dono, liderança pelo exemplo, liderança percebida e visível e percepção de risco, oferecer uma palestra motivacional super bem intencionada em segurança pode trazer mais malefícios do que benefícios.
Em segurança, é preciso oferecer informações e conceitos verdadeiros e transformadores para as pessoas até o ponto de verdadeira saturação. Neste ponto, tudo o que a pessoa terá dentro de si será o que existe de mais construtivo em termos de cuidado, gestão e liderança. Aqueles conceitos rasos e superficiais sobre segurança e muitas outras frases prontas que foram ensinadas e decoradas transbordarão para fora delas e serão extirpadas.
Será preciso colocar muita água limpa no copo para que a água suja transborde e o copo volte a ter só água limpa.
Vai levar tempo, demandará muita energia e paciência. Você está pronto e disposto a isso?
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